A mulher tem o direito de parir onde e como quiser. Embora esse direito seja reconhecido, a assistência obstétrica no nosso país ainda ocorre predominantemente em hospitais, com o sistema de intervenções e medicalização. Diante da insatisfação crescente das mulheres em relação ao sistema vigente, o parto domiciliar planejado tem chamado a atenção.
O parto é um evento fisiológico. O corpo da mulher, capaz de gerar e parir, é o único meio de trazer vida humana para o mundo, e isso aconteceu naturalmente por muito tempo. Com os avanços da medicina e dos recursos hospitalares, construiu-se a ideia de que, em um hospital, a parturiente e a criança estariam mais seguras — mas essa segurança nem sempre é real.
O excesso de intervenções realizadas no modelo obstétrico hospitalar também pode agravar situações que seriam simples de contornar, deixando a mãe e o bebê mais expostos e menos seguros, em alguns casos.
Não estamos impondo a afirmativa de que o parto domiciliar é mais seguro e que o sistema hospitalar tem condutas equivocadas. No entanto, vemos que, sem a assistência humanizada, os riscos existem em qualquer lugar.
A cultura da cesárea, faz parecer que o parto é um evento patológico, mas não é. Com exceção dos casos de gravidez de alto risco, que realmente precisam de uma atenção médica diferenciada, o trabalho de parto pode evoluir naturalmente, desde que assistido por equipe humanizada, preparada e respeitosa — nesse cenário, as enfermeiras obstetras e obstetrizes, também chamadas de parteiras urbanas, trabalham para a humanização da assistência.
Quais gestantes podem optar pelo parto domiciliar humanizado?
O parto domiciliar é uma opção somente para mulheres saudáveis em gestação de baixo risco. Ainda assim, essa possibilidade é confirmada na reta final da gravidez, visto que algumas complicações se revelam apenas nas últimas semanas.
Gestantes com diabetes, hipertensão, problemas cardíacos ou renais, anormalidades placentárias, bebê com peso acima da média, gravidez gemelar, apresentação pélvica, entre outras condições de risco, não têm indicação para o parto domiciliar planejado, pois as chances de intercorrências são maiores.
Entre os motivos que levam a gestante à escolha do parto domiciliar, estão:
- a busca por mais autonomia no processo de dar à luz;
- a possibilidade de passar por esse evento em um ambiente mais intimista e acolhedor, na companhia de pessoas próximas;
- a insatisfação com o sistema obstétrico hospitalar e seu excesso de intervenções desnecessárias;
- o medo de enfrentar violência obstétrica e passar por procedimentos sem sua autorização;
- o desejo de que o bebê tenha contato imediato com seu novo lar.
A criança que nasce por parto domiciliar humanizado sai do útero materno diretamente para o colo da mãe. Esse momento de contato entre mãe e filho imediatamente após o nascimento, chamado de hora dourada ou golden hour, é essencial para fortalecer o vínculo afetivo e tranquilizar o recém-nascido, que foi tirado de seu ambiente seguro – o meio intrauterino.
No parto hospitalar, o respeito à golden hour não é uma prática comum. Geralmente, os bebês são separados de suas mães ao nascer e levados para o berço aquecido, para logo receberem todo tipo de manipulação. No parto domiciliar, as avaliações necessárias são feitas aos poucos, com a equipe de parteiras respeitando o tempo da mãe e do recém-nascido, após a golden hour e no colo da mãe, preferencialmente.
A medição de peso e estatura da criança e outras avaliações físicas essenciais são feitas pelas parteiras e registradas na caderneta do bebê, que será apresentada na primeira consulta com o pediatra.
O acompanhamento para o parto domiciliar inclui consultas de pré-natal e pós-parto. No pré-natal, além de passar regularmente pelas consultas com o médico obstetra de sua escolha, pelo SUS ou convênio, a gestante tem, no mínimo, 3 encontros com uma das parteiras, que são enfermeiras especializadas em obstetrícia e ginecologia.
No dia do parto, as parteiras oferecem toda a assistência necessária para a parturiente e sua família. Doulas também acompanham o trabalho de parto para fornecer apoio emocional à mulher, caso essa seja sua vontade.
Nas consultas de pré-natal com a parteira, a gestante e seus familiares têm a oportunidade de esclarecer todas as suas dúvidas quanto ao dia do parto. Além disso, é elaborado um documento chamado plano de parto, no qual a mulher lista suas vontades e expectativas para o dia tão esperado.
O parto domiciliar é seguro?
O parto domiciliar humanizado é tão seguro quanto o hospitalar, desde que seja devidamente planejado e assistido por profissionais competentes e experientes. O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) apoia a autonomia de enfermeiros para acompanhar partos em domicílio, de forma que a presença de um médico não é obrigatória.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) não aconselha o acompanhamento médico de parto em ambiente extra-hospitalar em razão dos protocolos que são cumpridos em hospital, mas também não proíbe o parto domiciliar.
Por sua vez, a Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras (ABENFO) defende que a prática do parto domiciliar humanizado não oferece prejuízo à saúde da mulher. Ao contrário, contribui para a redução de cesáreas e da morbimortalidade materna e perinatal. Os estudos mostram que o parto domiciliar planejado é tão seguro quanto o parto hospitalar, desde que seja acompanhado por profissionais capacitados e experientes.
No entanto, para que o parto domiciliar seja realizado com segurança, alguns critérios precisam ser observados, como:
- a opção é reservada a gestantes com pré-natal de baixo risco;
- é fundamental que exista um hospital de retaguarda para o caso de complicações intraparto, localizado a 20 minutos de distância do domicílio da parturiente;
- a equipe de parteiras precisa ter pelo menos 2 enfermeiras especialistas com conhecimento em emergências obstétricas e reanimação neonatal;
- o ambiente deve apresentar condições mínimas de higiene e as parteiras são responsáveis por providenciar todo o material adequado para o atendimento.
Diante de qualquer risco ou imprevisto, a transferência para o hospital é devidamente realizada. Algumas das possíveis razões para que o parto continue em hospital são: opção da mulher por analgesia; não progressão do trabalho de parto; diminuição dos batimentos cardíacos fetais; sangramento vaginal aumentado e não controlado; retenção placentária; atonia uterina; entre outras complicações.
Além disso, é possível transferir para o parto hospitalar quando alguma pessoa da família questiona a segurança do procedimento. Portanto, é importante que os familiares participem da preparação para o parto domiciliar durante o pré-natal.
Uma das parteiras da equipe retorna para avaliação após 24 e 72 horas de parto e, dessa forma, verifica as condições gerais da mãe e da criança. Nessas consultas pós-parto, são feitas orientações sobre os cuidados com o recém-nascido e a amamentação.
A assistência ao parto domiciliar tem uma qualidade diferente. A atenção é centrada no bem-estar da mulher, que é amparada por profissionais com competência técnica e condutas baseadas em evidências científicas, capazes de conduzir o parto de forma totalmente humanizada, tornando esse momento positivamente memorável.